
Quando partimos da obra de Hutz et al. (2016) sobre Psicodiagnótico, os autores nos dedicam um capítulo sobre anamnese durante um processo de avaliação psicológica. Sendo assim, segue algumas dicas e informações importantes ao se realizar ou, por título de curiosidade, conhecer o processo de coleta de informações na entrevista de anamnese.
Anamnese é um tipo de entrevista semiestruturada que investiga a história da pessoa em seus aspectos considerados relevantes para o entendimento da queixa, sendo um dos objetivos a busca por uma possível conexão entre o problema apresentado e a história de vida, cuja posição do psicólogo é mais ativa nas perguntas e menos interpretativa, além de tentar organizar cronologicamente a história da pessoa. Com crianças, a anamnese é feita com pais ou responsáveis; com adolescentes, pode ser realizada com os responsáveis, o próprio jovem ou ambos em momentos diferentes; com adultos e idosos, costuma-se realizar com o próprio sujeito, contanto que não haja alguma limitação que comprometa a qualidade das informações.
Antes do início da anamnese, deve-se estabelecer um rapport com o informante, explicando os objetivos da entrevista, duração e seu papel no psicodiagnóstico. Costuma-se iniciar a entrevista perguntando o motivo pela busca da avaliação. O psicólogo deve deixar a pessoa confortável para garantir que a conversa flua naturalmente, evitando feedbacks. Apesar de ser um recurso importante, tem suas limitações, pois é quase impossível coletar todos os dados importantes da pessoa em uma entrevista, aliado a possíveis resistências do entrevistado. Não há regra sobre quantidade de sessões para anamnese. Tampouco é uma técnica exclusiva do psicólogo.
Além disso, não se usa a mesma estrutura para diferentes grupos etários. Do contrário, costuma-se considerar aspectos independentes da idade (por exemplo: configuração familiar, rede de apoio, etc.), bem como outros aspectos ligados à evolução da queixa, uso de medicamentos, percepção do examinando sobre a queixa, entre outros, assim, com alguns aspectos sendo mais ou menos importantes com a idade.
Durante a realização de anamnese com crianças, é importante avaliar a história pré e perinatal, assim como indicadores esperados para a idade (por exemplo: linguagem, marcos motores, habilidades cognitivas, interações sociais, etc.). Quando se trata de adolescentes, embora se retome a infância de forma mais geral, deve-se considerar como estes reverberam na adolescência, aliado às mudanças ligadas à formação da identidade, envolvendo a socialização, sexualidade, histórico escolar, entre outras. Em adultos, foca-se nas demandas desenvolvimentais esperadas nos âmbitos sexual, familiar, social, ocupacional e físico. Por fim, Aos idosos, é importante considerar as perdas ao longo da vida que possam se ligar à queixa. Dessa forma, a escolha da pessoa para anamnese costuma se basear na idade, capacidades intelectuais no momento da entrevista, grau de autonomia e interesse em colaborar.
Com crianças, chama-se ambos os pais de preferência. Em pré-adolescentes, além da anamnese com os pais, pode-se fazer uma entrevista com o jovem aliado a anamnese com os pais, enfocando de forma breve as queixas apresentadas pelos responsáveis para avaliar a percepção do adolescente. Aos adolescentes, por muitas vezes terem autonomia sobre sua queixa, não há uma regra sobre quem é o melhor informante: os pais ou o jovem, pois depende de quem elaborou a demanda, qual é a queixa principal, entre outros aspectos; porém, pode-se entrevistar ambos e, caso a anamnese seja feita com os pais, o psicólogo deve falar sobre isso com o jovem para que ele possa falar a sua perspectiva. Com adultos, costuma-se ser o próprio sujeito.
Alguns exemplos de fontes complementares, podemos considerar exames, registros escolares, contatos de profissionais com quem o indivíduo fez tratamento, registros digitais, documentos de outras avaliações, etc. que podem ser trazidos. Recomenda-se que se façam fotocópias das fontes trazidas com o consentimento do informante para análise posterior, visto que elas podem melhorar a qualidade da investigação e direcionar a escolha de testes, embora não se deva descartar a observação da pessoa em ambientes naturais também.
Para melhor compreensão dos dados, recomenda-se estudar fenômenos clínicos, psicofármacos, desenvolvimento infantil e humano em geral, aliado aos manuais diagnósticos e fontes de pesquisa confiáveis, mediante, por exemplo, CAPES Periódicos e Scielo.
Quando não é possível coletar informações diretas suficientes, precisamos avaliar as poucas informações e criar hipóteses perante o desenvolvimento do avaliado no presente. Ademais, pode haver divergências sobre a história do indivíduo que podem levar o psicólogo a conclusões equivocadas.
O psicólogo também deve se atentar ao nível socioeducacional da pessoa e se adequar quanto ao vocabulário. Ademais, é importante notas as dificuldades pela forma como a pessoa se comunica: sendo prolixa, é necessário retomá-la ao objetivo das questões, enquanto os sujeitos com respostas mais diretas, pode-se incentivar uma fala mais espontânea. Ao mesmo tempo, deve-se evitar perguntas que sugerem respostas diretas (como “sim” e “não”), bem como questões que possam induzir a pessoa a confirmar uma percepção do psicólogo, com potencial equívoco da informação.
Mas, e quanto a seleção dos instrumentos para a avaliação psicológica? A escolha depende da formulação de hipóteses com base nos passos iniciais do psicodiagnóstico, que podem ser ou não confirmadas ao final do processo. Em demandas mais objetivas, a hipótese costuma ocorrer mais rapidamente, como determinar um diagnóstico descritivo ou nosológico. Mas em demandas mais ambíguas, adota-se uma “capacidade negativa”. É claro que, além das hipóteses, deve-se conhecer sobre desenvolvimento humano e psicopatologia, para entender o que precisa ser avaliado. Para o estudo sobre o desenvolvimento humano, recomendo o livro de Papalia e Feldman: Desenvolvimento Humano (2021). Os testes psicológicos são avaliados pelo Satepsi, mas não são obrigatórios no processo de avaliação, sendo obrigação do psicólogo saber em que contexto e como usá-los. Uma outra dica para você, profissional da saúde mental: o psicólogo também é um instrumento
Vale ressaltar alguns cuidados. A escolha de testes é individualizada, pois o contexto clínico e de pesquisa são diferentes e os testes se envolvem com características do próprio psicólogo.
Atente-se a ordem dos testes também, pois se recomenda começar com instrumentos mais simples (ex. gráficos) e, depois, outros mais complexos, bem como dos menos aos mais ansiogênicos. Um bom início pode ser testes projetivos, dado o seu caráter mais ambíguo.
Por fim, segue um breve resumo sobre os passos durante a escolha de instrumentos: 1) o que quero avaliar? (o objetivo é norteador); 2) quais os instrumentos e técnicas disponíveis que avaliam isso considerando a idade da pessoa? (amplia a questão e precisa responder a pergunta); 3) Sei usar esses instrumentos? (envolve análise crítica do psicólogo e verificação de instrumentos no Satepsi.
E aí, sente-se mais esclarecido sobre o processo de anamnese e seus componentes? Então compartilhe esse post e me siga nas redes sociais!